Reflexões sobre o Mal


Tenho aprendido na vida que o mal não é o mal, não é perversidade, não é substancial. O mal vem do desequilíbrio, vem de um trauma, vem de uma história mal vivida, mal resolvida. O mal é frágil, mesmo se aparenta soli
dez, mesmo se parece enraizado nos milênios. Porque no fundo, sempre há uma carência, uma solidão, uma vontade secreta e reprimida de amar e ser amado, uma saudades de alguém que se perdeu na noite dos tempos, uma mágoa ou uma revolta do que alguém fez a outro alguém.
O mal também vem da ilusão, da imaturidade, da ignorância. Como uma criança que brinca de príncipe e princesa, que faz castelos de areia e fantasia que é dono do mundo, almas há que estão brincando de poder, brincando de mandar, achando que isso é para sempre. É claro que essa brincadeira pode machucar e machuca outras pessoas – mas isso faz parte de um aprendizado. Um dia, o castelo de areia se desfaz e o espírito vê que foi tolo, imaturo, infantil. Penaliza-se pelos que chegou a machucar, mas pode imediatamente mudar o rumo e passar a construir abrigos para o próximo, em vez de castelos de ilusão e de poder. 
Não devemos nos impressionar como o mal, por mais que ele aparente vitória, por mais que ele provoque sangue e lágrimas, porque tudo é passageiro. Mesmo as mortes causadas pelos maus não são mortes, mas passagens para outra vida. Mesmo as tragédias mais sombrias se desfazem ao raiar do sol do amor. Quanto mais alimentamos o mal dentro e fora de nós, dando-lhe importância, atribuindo-lhe poder, emprestando-lhe substância, mais ele se agiganta e parece não ter fim. Quanto menos ligarmos, quanto menos valorizarmos sua ação, quanto menos confiarmos na sua predominância, mais rápido ele se desfaz. É tudo uma questão mental. Nós criamos, alimentamos e cultivamos o mal – ele não existe de fato, a não ser como projeção nossa. Então é só compreender que a nossa essência é boa, é só caminharmos pela margem iluminada, é só elevarmos a mente às estrelas, fixarmo-nos nas flores e nas crianças, no mar e no céu, que as sombras que entretecemos se desmancharão pouco a pouco, para dar lugar à claridade permanente, límpida, cristalina – que é a luz de Deus, que está em nós, está em todo o Universo e é a realidade suprema da vida.


Essa compreensão não substancial do mal não nos insensibiliza diante do sofrimento gerado pelo mal. Lembremos que Jesus sempre nos é apresentado, com um olhar de tristeza e Gandhi chorou diante das violências de seus compatriotas. Não nos exime tampouco de lutar contra a injustiça, de intervir para defender os mais fracos, de engajar-se por uma sociedade e por um mundo… em que o mal não predomine. A diferença é que nessa luta, a nossa compaixão abrange os que sofrem e os que fazem sofrer, pois estes também sofrem. Quem gera sofrimento é porque está possuído por uma dor intensa. Quem mata, rouba, fere, domina, explora, está corroído por dentro, desesperado, insano, alienado de si. Precisa de cura, educação, recuperação. Esse é o entendimento que nos felicita com essa visão mais clara sobre o mal. Então, trata-se de libertar o oprimido e o opressor, trata-se de arrancar a injustiça de quem a suporta e de quem a pratica. Trata-se de educar a todos na fraternidade e no bem, tocando a alma de quem está em desequilíbrio, em desajuste, em rebeldia interna… É compreender que o mal não se erradica com punição, mas com amor e compaixão; com sacrifício e educação. 
Esta é a proposta do Evangelho, quando Jesus disse que o amor cobre a multidão de pecados. Se alcançarmos esse entendimento não apenas intelectualmente, mas tomados por um amor ardente, seremos capazes de transformar o mundo. Esse é o único verdadeiro processo de transformação: lento mas eficaz; sacrificial, mas urgente! É o método de Jesus, de Buda, de Francisco de Assis, de Gandhi. Esses grandes Espíritos acenderam a própria luz e amaram intensamente a humanidade sofrida, para iluminar as almas. Sigamo-los!


Comentários

  1. Encontrei este texto quando procurava o pensamento de Ghandi que fala sobre esta dupla libertação.

    Congratulations!
    regivaldosouza@hotmail.com

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