Relato de Parto na Suécia









 

30 de abril - 41 semanas de gravidez: vou dormir me sentindo a última das grávidas. Mais de 9 meses. Todas as mulheres do mundo vão parir antes de mim. Tenho a sensação de estar no final da fila. Há dias venho tendo contrações que não ficam ritmadas mas hoje as contrações sumiram. Não senti nada o dia todo. Estarei eu eternamente grávida?

1 de maio - 41s+1 dia: acordo às 4 da manhã como de costume. O esposo dorme tranquilamente. É feriado, dia do trabalhador e noite passada ele veio deitar tarde. Pego o celular e começo a ler sobre gravidez pós-termo. Uma mensagem chega no whatsapp. Alguém do Brasil perguntando sobre o parto. Eu também gostaria de saber quando vai ser mas não tenho a mínima idei...Ai..uma dor estranha. O que foi isso? Largo o telefone com a frase pela metade. Ai. outra dor mais forte ainda. Chamo o marido do outro lado da cama: "Jan, Jan". Ele nem se mexe. Outra dor: "ACORDA. EU TO MORRENDO!" Grito em um português bem claro. Após ele se recuperar do quase-ataque cardíaco com o grito que dei, pegamos o telefone para ligar para o hospital. Perco um pouco de água com sangue. A atendente lembra das minhas aulas de curso de gestantes e de como o parto pode demorar e acrescenta que deveríamos esperar em casa até o trabalho de parto acelerar para chegar ao hospital com a dilatação avançada. Eu não consigo me expressar. So tenho palavrão na cabeça. Outra dor insuportável. Marido avisa que estamos indo para o hospital agora mesmo. Ela desiste de contra-argumentar. Se ela lesse meus pensamentos, teria desligado o telefone na nossa cara. Chamamos um táxi e pegamos as bolsas da maternidade. Esqueço até de respirar quando a dor chega. "Respira, Tati, lembra de respirar". Marido vai me lembrando disso o caminho todo. As contrações não tem intervalo.  "Eu preciso de uma anestesia." Penso aos gritos. Não consigo me comunicar. Por que diabos o táxi é tão lento? Eu vou bater neste motorista. Nao! Vou espanca-lo. Meu Deus, que dor. Imagino as manchetes em jornais suecos: "brasileira em trabalho de parto mata taxista". 

5:30 da manhã: chegamos na porta do hospital e eu salto do carro. Uma enfermeira boazinha vem me receber na porta enquanto marido paga o táxi. Outra contração. Não conheço aquela mulher mas me agarro ao braço dela quase arrancando (Lembrete: acho que deveria enviar uma caixa de chocolate e um pedido de desculpas). Fomos direcionados para uma sala de monitoramento. "Por favor, me dêem algo pra dor. Pode até ser uma pancada na cabeça que me faça desmaiar. Qualquer coisa. " Me deitam em uma maca e conectam vários fios na barriga. "Quando vão me dar algo pra dor?" Volto a perguntar. A enfermeira boazinha sai e vai chamar outra pessoa. Uma mulher de óculos entra e diz que vai fazer um exame de toque para saber com quantos centímetros estou. "Não precisa me explicar, faz logo essa droga" .Outra contração. Nem sinto o exame. Estou revirando os olhos de dor. Tenho vontade de arrancar todos os fios. Ela explica algo que não presto atenção. Só ouço '4 cm de dilatação.' ."Respira, respira." Alguem me aconselha. "Eu nao quero respirar, powrra. Quero algo pra dor!" 

Somos levados pra outra sala. Eu esqueço sacolas, sapatos, roupas, não quero saber de nada. Marido tenta pegar as coisas mas eu preciso de um braço pra cravar as unhas. A enfermeira boazinha traz nossas coisas para a sala de parto. Acho que ela entendeu que é melhor deixar o braço longe de mim. 

A cada contração eu só pensava em homicídio. Na sala de parto, a enfermeira boazinha me entrega uma máscara de gás e explica que esta vai me ajudar com a dor. "Me dá, me dá, me dá." Puxo a máscara da mão dela para respirar. Para quem olha a cena, parece que minha vida depende deste aparelho. Ponho a máscara mal cobrindo o nariz mas eu tô desesperada demais pra pensar como se usa esta droga. Respiro. Respiro. Respiro....res-pi-ro e piro...Começo a ficar anestesiada, que gás gostoso, tudo parece tao tranquilo agora...maresia/ sente a maresia/ maresia hu-uhu...Por que tá todo mundo falando engraçado e se movendo devagar? A enfermeira boazinha é japonesa, talvez chinesa, não, talvez tailandesa...ela é engraçada. Por que só notei isso agora? Oooolha, meu marido tá aqui também.  Que legal. "Oi marido." Será que eu tô falando sueco ou português? Não sei. Tá tudo meio confuso. Fico imaginando se sei falar mandarim. Mas por quê to pensando nisso no meio do trabalho de parto? Eu tô em trabalho de parto, né? Será que estou em casa e isso é um sonho? Seria a zebra branca com listras pretas? A boca das pessoas se mexe mas o som só sai minutos depois. Marido conversa algo com outra enfermeira. Parece que vão chamar o anestesista. Alguém me explicou algo mas eu me distrai com a fada azul que passou voando  acenando na janela. Acho que estou loucona.

O anestesista chega, o gás alivia mas as contrações ainda doem. Eu não lembro do rosto dele. Estava ocupada entre os delírios do gás e delírios de dor. Ele aplica a epidural. Ai que alívio. Eu ainda tô abraçada com a mascara de gás. A enfermeira sugere retirar. Eu abraço o equipamento e imploro pra deixar comigo. "Se você tirar isso, eu vou morrer." Ela ri e explica(como quem fala com uma criança) que pode devolver depois. Com alguma relutância, eu acabo concordando. 
11h da manhã: Dilatação completa. 10 cm. Esperamos apenas a bebê descer. 

Meio dia: sem evolução do trabalho de parto, sugerem colocar ocitocina no soro para acelerar as contrações. Concordo.
2h da tarde: É feita a troca de turno da parteira e da enfermeira que me atendiam. Os batimentos do bebê caem. Eu fico irritada.Quero a parteira anterior de volta.  Me pedem para tentar novas posições na maca, talvez sentar um pouco, ficar de quatro, virar para o outro lado. Só me falta sugerirem plantar bananeira. Nada resolve. Chamam uma médica que vai tirar sangue da cabeça da bebê para medir a oxigenação. Os números são ruins. Conversam entre eles e decidem retirar a ocitocina do soro. Os batimentos normalizam. Alguns minutos depois outro exame de sangue. Uma agulha é inserida pelo canal vaginal até o útero, onde retiram sangue da cabeça da bebê. Desta vez os números são melhores. Continuamos com o trabalho de parto.

3h - 4h da tarde: bola de Pilates, gás, massagens, conversas com o marido sobre o futuro. Passamos a maior parte do tempo a sós na sala de parto. O monitoramento é feito a distância de outra sala pelas enfermeiras numa tela que indica meus batimentos e da bebê. Em meu plano de parto, destaquei como privacidade era importante pra mim. Não consigo relaxar com estranhos mexendo na minha vagina. 
5h da tarde: Já estou exausta. As contrações continuam mas não há mais evolução do trabalho de parto. A médica chega para tirar sangue da bebê de novo. Os números muito ruins de novo. Ela explica que a bebê esta mal posicionada. O trabalho de parto não avançou quase nada. Também há indicios de fezes no liquido amniotico.  Sugere uma cesárea por segurança. Bad Vibe. As coisas não estão saindo como planejei. Não sei se choro ou se peço pra isso terminar de uma vez. Converso com meu marido e concordamos com a cirurgia. Sou levada para o centro cirurgico.

5:15 da tarde: braços esticados com agulhas nas duas mãos. Muita gente na sala. Nao tinha planejado um parto com tanta plateia. Muitas luzes. Me sinto cansada e meio enjoada. Pergunto pelo meu esposo. Alguém me informa que ele esta vestindo a roupa para entrar na sala. Ele chega, me sorri um sorriso de quem pede calma e senta ao meu lado. O parto começa. 

5:21 da tarde: Ouço o choro da minha filha. Marido me abraça e choramos mesmo antes de vê-la. A enfermeira vem nos mostrar. Não consigo vê-la bem. As lágrimas embaçam a minha visão mas sinto o toque da sua pele na minha brevemente. Agora somos uma familia completa. Ela, ele e eu. Tudo parece ter valido a pena. Começo minha jornada numa aventura chamada maternidade. Cada dor e cada lágrima valeu a pena. Nasce o mais lindo dos meus trabalhos: Eleonora Marie Sousa Lindgren. 




Comentários

  1. Parabéns, Tatiane... Sua filha é linda... Tomara que ela não seja chata como você (kkkkkkkkkkk)... Muita saúde para todos vocês e, em especial, à Eleonora Lindgren... Abraços e beijos em seu marido também.

    Bargas.

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  2. Tati, parabéns... Arruma uma amiga tua sueca para eu conhecer.

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