Quimerismo e Mosaicismo em Humanos.

Adoro assistir aos episódios de House e confesso que não perco sempre que possível. Apesar de ser uma série de ficção, apresenta casos médicos possíveis (embora algumas vezes improváveis) mas alguns são realmente curiosos. Não é possível conhecer tudo sobre uma doença assistindo apenas o doutor ranzinza mas há um e outro caso que me chama a atenção e me leva a pesquisar a respeito. Um dos episódios retratou um caso de Quimerismo, uma mutação genética que também já havia sido relatada em um dos episódios de CSI ( tá, tá eu confesso: adoro séries americanas de investigação). Busquei a respeito, e claro sendo criteriosa nas fontes escolhidas. Apesar de sempre buscar informações na internet tenho formação acadêmica e sei bem que há fontes não confiáveis assim como há sites de universidades que disponibilizam seus artigos científicos. E como curiosa que sou a respeito de temas não somente da minha área mas também de outras, assino várias revistas de divulgação científica e pelo mesmo motivo tornei-me assinante das publicações e sócia da SBPC. É importante entender que uma revista de divulgação científica não traz o mesmo tipo de leitura de uma revista científica específica, já que a primeira abrange temas de várias áreas e precisa ser em linguagem simples para que mesmo profissionais de outras áreas possam compreender os artigos. Por isso, esse tipo de publicação acaba despertando meu interesse. Voltando ao tema de quimerismo e mosaicismo que pesquisei, li alguns artigos a respeito, uns mais outros menos científicos, alguns blogs trazendo relatos de pacientes mas de qualquer forma uma leitura muito intrigante. Então para quem não conhece o tema ou nunca ouviu falar separei um artigo dentre outros que li mas que considerei numa linguagem acessível para leigos e foi publicado no sítio da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Segue abaixo o artigo na íntegra. 

Quimerismo e Mosaicismo na Espécie Humana. 


Em maio, a revista britânica Nature (v. 417, p.10, 2002) trouxe um curioso artigo sobre quimerismo e mosaicismo na espécie humana. Embora breve, o artigo não é lido sem causar certa inquietação.
Na mitologia grega, a quimera representa um ser constituído por partes de diferentes animais; hoje, em biologia, o termo é empregado para descrever indivíduos formados a partir da fusão de células de pelo menos dois embriões diferentes. Nos estágios iniciais do desenvolvimento, células de dois embriões distintos se fundem para dar origem a um único indivíduo, que terá então algumas áreas formadas por um tipo de células e outras por células de outro tipo, como uma colcha de retalhos. Já o mosaicismo é um fenômeno em que, apesar de a pessoa também possuir duas ou mais linhagens celulares, estas são derivadas de modificações em células de um único embrião, quase sempre em decorrência da perda ou duplicação de cromossomos.
Assim, no mosaico, algumas células são geneticamente iguais às iniciais e outras são modificações destas. Portanto, a origem de quimeras e mosaicos é completamente diferente. A autora do artigo publicado na Nature, Helen Pearson, explica que o mosaicismo pode estar presente em todos os tecidos do corpo ou em apenas um tecido, assim como a proporção de células normais e alteradas pode variar de tecido para tecido, a depender da fase do desenvolvimento embrionário em que ocorreu. As conseqüências podem ser dramáticas, quando há abortos espontâneos, ou até passar desapercebidas, quando a proporção de células normais for suficientemente alta para diluir o efeito das defeituosas.
O mosaicismo é mais comum que o quimerismo e talvez seja responsável por um número muito maior de doenças do que se imagina. Alguns autores o consideram a principal causa de malformações na espécie humana, e dados mais recentes sugerem que em alguns indivíduos a predisposição à doença de Alzheimer se deve a uma cópia extra do cromossomo 21 em algumas células do cérebro, uma vez que alguns portadores da doença apresentaram raras células no sangue com um cromossomo 21 extra. Além disso, os portadores da síndrome de Down, causada pela presença de um cromossomo 21 extra em todas as células do corpo, apresentam precocemente alguns sintomas de Alzheimer.
Na espécie humana, são raros os exemplos de quimeras verdadeiras resultantes da fusão de células de dois embriões. Esse tipo de quimera quase sempre é descoberto quando o portador resultou da fusão de zigotos de sexos opostos, o que permite uma gama variada de alterações no desenvolvimento sexual. Quando o percentual de um tipo de célula é muito pequeno, tem-se o que se chama microquimerismo. Durante a tipagem de células sangüíneas, alguns indivíduos revelaram pertencer a mais de um grupo; alguns estudos mostraram que muitas são quimeras sangüíneas. A maioria dos casos de microquimerismo envolve transferência de células sangüíneas e podem surgir, de forma induzida, no tratamento de certas leucemias em pacientes que sofreram transplante de medula. Naturalmente pode ocorrer entre gêmeos não idênticos ou dizigóticos e entre filho e mãe. Mesmo durante uma gestação normal, algumas células do feto passam para a circulação materna, assim como da mãe para o filho. Nas duas situações foi relatada a permanência dessas
células vários anos após o parto.
O microquimerismo pode ocorrer também na gestação de gêmeos dizigóticos. É possível haver um intercâmbio entre as células que irão dar origem às células sangüíneas no adulto e, como conseqüência, esses gêmeos terão células sangüíneas geneticamente de dois tipos. Esse fato por si só não parece causar problemas de saúde aos indivíduos. Recentemente, no entanto, alguns estudos começam a correlacioná-lo a doenças auto-imunes, especialmente em mulheres que têm células de seus filhos na circulação. As pesquisas devem ajudar a compreender esse intrigante fenômeno biológico e esclarecer seu real significado na origem de algumas doenças.
Embora não saibamos exatament e quão freqüentes são o quimerismo e o mosaicismo na espécie humana nem o que pode causá-los, é possível que o fenômeno tenha abrangência maior do que se pensa. O artigo da Nature lembra que, na fertilização in vitro, normalmente, se transfere mais de um embrião para ser implantado na mãe. Aliás, é justamente isso que explica a elevada incidência de nascimento de gêmeos não idênticos em tais casos. Esse aumento implica pelo menos um risco proporcional de anomalias raras associadas à gestação de gêmeos, entre as quais o quimerismo. Em 1998 foi descrito um menino que era uma quimera, pois resultara da fusão de dois óvulos fecundados por dois espermatozóides distintos. Trata-se de um dos raros casos de quimerismo já descritos, e a criança resultou de fertilização in vitro.
Diante dos resultados que começam a surgir, deve-se dar cada vez mais atenção para o significado clínico do quimerismo e do mosaicismo. Embora a fertilização in vitro contribua para a solução de um número bastante grande de casos de infertilidade, é importante considerar os riscos que corre um casal que opta por esse procedimento. São necessárias mais pesquisas sobre o tema para que se tenha uma real dimensão dos riscos que oferece, seja nas doenças que pode causar, as de etiologia ainda não conhecidas inclusive – ou mesmo no transplante de células-tronco, que em futuro próximo deverá funcionar como terapia eficaz no combate a algumas doenças.
Nas primeiras descobertas da engenharia genética, a ciência adquiriu ares de ficção científica. Mas a natureza já realizava vários daqueles procedimentos há milhares de anos. A imaginação humana cria coisas que, a princípio, parecem fantasias impossíveis, mas desde Ícaro e Julio Verne muito sonho se tornou realidade. Compete a nós aproveitar o conhecimento de forma responsável, sem perder de vista as implicações éticas de sua aplicação. 
Autora: Marisa Biando Bonjardim. 

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