A antropologia do Desenvolvimento


O papel da Antropologia do Desenvolvimento na era da Sustentabilidade
Tatiane Sousa Silva 1

1 Autora deste artigo é formada em Administração pela Universidade Federal do Pará, possui o título de mestre   em Planejamento do Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudo de Amazônia(NAEA/UFPA), tem Especialização em Educação de Adultos pela Universidade do Estado do Pará (UEPA) e é Funcionária Pública atualmente atuando como Administradora na função de Técnico em Gestão Pública na Secretaria de Estado de Assistência Social do Estado do Pará.



A crise do modelo desenvolvimentista do início do século XX, que prometia o atendimento das necessidades humanas através do crescimento econômico e da modernização, suscitou numa cadeia de ideias que questionava o sentido do desenvolvimento, subdesenvolvimento e o papel da modernização. O desenvolvimento até então identificado como crescimento econômico, tecnológico e urbano ganha um viés mais social, embasado na qualidade de vida do ser humano. Essa ideologia da modernização era postulada a ideia de progresso e para os países subdesenvolvidos ingressarem nesta condição de bem-estar e consumo, era necessário crescer economicamente, industrializar-se, urbaniza-se, ainda que custasse muitos sacrifício com o crescente endividamento na esfera econômica, a desvalorização e a marginalização das práticas culturais, e saberes populares, a exploração da força do trabalho humano e dos recursos naturais. ( SCOTTO et all.,2008)
Os questionamentos à sociedade industrial e ao que será designado por seus críticos como a “ideologia do desenvolvimento” despontam já na década de 60, com os movimentos contra-culturais e os movimentos ecológicos, inconformados com o modelo materialista, bélico, individualista competitivo e degradador do meio-ambiente. Ao mesmo tempo a constatação de um desenvolvimento ilimitado das forças produtivas, intensivas em matérias primas e energias não renováveis, para além dos movimentos contra-culturais, também alcançava cada vez mais ressonância no cenário internacional. E esta percepção foi alimentada principalmente pela constatação de riscos do modelos desenvolvimentista expostos com a emergência das crises sociais que tinha como centro a ameaça de escassez de um ou mais recursos naturais, como foi o caso da crise do petróleo na década de 70.
Cardoso (2007) e Lira (2007) observam que o modelo de desenvolvimento implementado no Brasil na década de 30 e que perdurou como hegemônico até final da década de 70, era fundado sobre o seguinte tripé: abundância de recursos naturais e energéticos, aumento da produtividade do trabalho e presença do estado desenvolvimentista, o que evidencia uma ordem quantitativa baseada nos níveis de crescimento econômico.
Os paradigmas deste modelo de desenvolvimento aplicado na região principalmente a partir da década de 50 e que se estende até 70, estiveram na base das mudanças espaciais e sociais que ocorreram na região. Segundo Castro(2004) o debate dos anos 70 por exemplo centrou-se em alguns conceitos, o mais recorrente certamente foi o de fronteira, e o de Amazônia como “o grande vazio demográfico”. Os conflitos segundo definido por Zhouri et all (2005) , tornaram-se comuns e bem evidentes. As tensões existentes nas áreas de expansão da fronteira, lócus de muitos encontros e confrontos de interesse_ pela chegada de diversos atores, de instituições e de recursos_ passa a ser também características desse processo de mudança que a Amazônia experimenta. E este conflitos e tensões não somente fizeram parte intrínseca dessa quadro, como definiram de certa forma a imagem da Amazônia que foi veiculada ao mundo como terra de pistolagem, de trabalho escravo, de mortes, de chacinas...
Diversos autores (BECKER,2001 ; BRASIL, SANTOS; TEIXEIRA, 2004; CASTRO,2004, CARSOSO,2006) concordam que Amazônia tem sofrido ao longo das ultimas décadas um profundo processo de transformação do espaço e da sociedade, além de mudanças concretas na abordagens das políticas públicas, e embora meados da década de 80 tenha sido marcado pelo esgotamento da politica nacional desenvolvimentista, de outra forma também foi o período em que as populações tradicionais da Amazônia iniciaram um forte movimento de resistência através da criação do conselho Nacional de Seringueiros, resgatando assim um modelo de desenvolvimento baseados nas demandas de grupos locais e regionais com o intuito de melhorar as condições de vida. Dando continuidade diversos agrupamentos indígenas começaram a se articular sob a forma de associações para lutar em defesa do seu território, por sua sobrevivência e pela preservação de sua cultura. Ostrom (2002) mostra em seu trabalho a importância dessas associações na gestão dos recursos naturais e qual a importância disto para a esta nova era da sustentabilidade, embora Simonian(2007) aponte que os esforços em torno do associativismo venha esbarrando numa cultura de clientelismo resistente e de inoperância do Estado, que tornam quase todas as exeperiências existentes muito limitadas quanto a sustentabilidade.
Para Zhouri et all.(2005) pensar a sustentabilidade, em um sociedade tão marcada por conflitos, desigualdades, como a brasileira, por exemplo, requer além de uma revolução da eficiência e da suficiência equaciona-la impreterivelmente à democratização do acesso aos recursos naturais, à distribuição dos riscos da produção industrial e mais ainda a atenção a diversidade cultural. Trata-se de um princípio de justiça ambiental, ou seja, da espacialização da justiça distributiva. Os conflitos passam a eclodir quando quando o sentido e a utilização de um espaço ambiental por um determinado grupo ocorre em detrimento dos significados e usos que outros segmentos sociais possam fazer de seu território, para com isso, assegurar a reprodução do seu modo de vida. E estes conflitos denunciam ainda as contradições, nas quais as vítimas das injustiças não só são verdadeiramente excluídas do chamado desenvolvimento mas sustentam todo o ônus dele decorrido.

...pensar em sustentabilidade, há de se tratar principalmente da relação entre recursos naturais,o manejo adequado às especificidades das espécies e dos ecossistemas e as questões sociais envolvidas” (Simonian, 2007,p.27)

Entendendo que desta forma os riscos de grande projetos industriais homogeneizadores do espaço, tais como hidrelétricas( como principal exemplo os conflitos gerados por Belo Monte), mineração, monoculturas de soja, eucalipto, cana-de-açucar, entre outros são geradores de injustiças ambientais, no sentindo que ao serem implementados imputam riscos as camadas mais vulneráveis. Os resultados do prejuízo advindo desta prática de homogeneizar o espaço podem ser observados e sentidos pela população amazônida até hoje, que após sofrer sérios impactos com um modelo de desenvolvimento “up-down” e que não considerava as peculiaridades regionais, destruiu e colocou em grave ameaça boa parte do ecossistema e das culturas existentes na região. Ribeiro (1991, apud BAINES,2004, p.3) acrescenta que exemplos de projetos hidrelétricos, que tão comumente tem sua implementação debatida para a região amazônica “indicam o favorecimento de grandes concentrações econômicas, nacionais e internacionais em detrimento da população local”.
E ainda agregado a esta homogeneização do espaço, Apadurai(2002) acrescenta que ocorre outro grave problema, agora relacionado ao saber dos provos tradicionais: a homogeneização cultural. Para Comaroff e Comaroff (1997) a idéia de culturas (re) construídas por consumo não é uma figmento do movimento pós-industrial ou pós-moderno. Esta ideia é bem antiga e global como o próprio capitalismo. Em outras palavras a conglomeração da cultura que estão ligadas por uma outra cultura em comum, mais dominante, ou como definido por Cardoso (1977), a sobreposição de ideologias:

O caráter estrutural da dominação determina que para que a classe dominante desenvolva em projeto a realidade da sua consciência, ou seja, a expansão do sistema que domina, a sua relação com as outras classes seja uma relação de integração delas a esta realidade e a este projeto, pois sem esta integração o seu projeto é irrealizável. A integração é promovida pela produção material e produção ideológica. A ideologia da classe dominante resolve, no plano ideológico, o seu duplo problema de promover a expansão do sistema e da integração das outras classes por meio de uma formulação toda ela voltada para o como dessa expansão e integração_que a análise desvenda ser, na verdade, o como da dominação”. (p. 65-66)


Os desafios que se colocam para a sustentabilidade e da justiça ambiental no Brasil exigem que aja um reconhecimentos das formas históricas de significação e apropriação do espaço, que anulam a multiplicidade de formas de conceber e agir junto ao meio ambiente. A heterogeneidade cultural se contrapõe a homogeneização de intervenção na natureza, expressando propostas de sustentabilidade plurais. (ZHOURI et al.,2005)
A realização de um novo modelo de desenvolvimento passa, portanto, pelo reconhecimento da importância das culturas tradicionais (índios, serigueiros, ribeirinhos...), que no modelo anterior viam-se excluídas. E nessa categoria dos excluídos, Léna (2002) acrescenta ainda as populações urbanas oriundas do êxodo rural e responsável pelo crescimento desordenado de grande centros urbanos, principalmente a periferia as cidades Amazônicas. E estes “excluídos urbanos”, compartilham várias características com as populações rurais: elas são inseridas em redes clientelistas modernas que prometem a legalização da urbanização ilegal onde vivem estas populações,o saneamento básico, escolas, postos de saúde, asfalto, tudo em troca de voto. Igrejas diversas e numerosas ONG (muitas de financiamento estrangeiros) praticam uma forma de gestão social que tem dificuldade para provocar uma ruptura com a situação sociopolítica anterior, e caem frequentemente numa forma de assistencialismo não planejado e não coordenado. Para Buclet (2002, p.3) na Amazônia, o reconhecimento junto ao terceiro setor mais as preocupações ambientais da comunidade internacional, estimulou o crescimento das ONG, sendo que “os aspecto mais relevante deste novo fenômeno ONG, esta sendo o de fornecer uma base para a reflexão sobre o que é, ou deveria ser, a nossa sociedade, parece interessante evidenciar as bases da cultura e da ideologia das ONG.
A preocupação crescente com os impactos socio-culturais de políticas de desenvolvimento, particularmente de cunho assistencialista, como evidenciado em alguns trabalhos (BUCLET, 2002; LENA, 2002) e com a dimensão moral subjacente destas políticas, que favorecem objetivos estratégicos e políticos, ao invés de humanitários2, também levou muitos antropólogos a realizarem estudos críticos destas políticas ou medidas singulares delas (GOW,1988 apud SCHRÖDER, 1997). Mas uma das grandes dificuldades em em fazer efervescer este debate, está em conceituar o que seja a Antropologia do Desenvolvimento. Para Schoroder,os antropólogos especializados em questões do desenvolvimento não são um fenômeno recente. Apenas o termo “Antropologia do Desenvolvimento” existe há pouco mais de 25 anos, depois que alguns antropólogos, começaram a pesquisar os impactos de certos programa e projetos ou participaram dele. Um dos objetivos da Antropologia do Desenvolvimento dado por SCHRÖDER foi retirada do manual de 1984, editado pela American Anthropological Association (AAA):

Development anthropology is scientific research with significant applications within the development project cycle. It's objective is to enhace benefits and to mitigate negative consequences for the human communities involved in and affected by development efforts”

Este autor caracteriza, de forma geral, Antropologia do Desenvolvimento como sendo uma gama e ampla rede de temas, métodos e campos de trabalho mas os quais ainda não conseguiu haver um consenso sobre os campos de pesquisa, os objetivos e conceitos principais. Por isso ainda considerado uma sub-disciplinas dentro da Antropologia, mas existem controvérsias entre outros autores. Wentezel (2004) define a Antropologia do Desenvolvimento como sendo “um braço da disciplina com uma postura ética e política, destinado a contribuir para a solução de problemas da humanidade, entretanto no Brasil epecificamente, devido a forma diferenciada do ensino antropológico e a antropologia acadêmica há diferenças relevantes da antropologia europeu-americana, embora todas tenham raízes comuns”.3
Wentzel (2004) concorda com Schoder no que diz respeito as diferenças existentes entre a Antropologia no Desenvolvimento ( uma antropologia no dentro do sistema) e a Antropologia do Desenvolvimento ( uma antropologia com distância crítica e perspectiva de fora, no entanto na língua portuguesa é difícil encontrar uma expressão que integre Antropologia no Desenvolvimento.
O fato do antropologia perpassar facilmente por inúmeras outras áreas e temas, faz deste profissional muito requisitado no mercado para a elaboração de laudos e relatórios de impactos ambientais em grande projetos, como a construção de hidrelétricas, muito comum no Brasil. Este novo ramo do antropólogo, pode trazer consigo problemas quanto ao tipo de abordagem das questões éticas envolvidas. Baines (2004) aponta para casos de antropólogos que se prontificam mediante altas quantias pecuniárias a preparar relatórios e pareceres contrários aos interesses de povos indígenas que defendem a implementação de projetos de desenvolvimento altamente nocivos para os povos indígenas atingidos, ou quando o contrário, esses antropólogos podem enfrentar grande rejeição e hostilidade por parte dos não-arborígines e dos próprios arborígines. É importante que este profissional reconheça os limites da sua atuação e influência, pois em alguns lugares pode mesmo ser perigoso questionar os limites do desenvolvimento ou mesmo opor-se a ele. E o antropólogo do desenvolvimento como profissional e testemunha deste ciclo, devem ter os argumentos do seu posicionamento muito bem justificados para não ter sua credibilidade posta em dúvida.



2 Zhouri et al. (2005) coloca que no corrente debate sobre desenvolvimento a ideia de conciliação entre os interesses econômicos, ecológicos e sociais ocupa papel-chave. Contudo, ainda Prevalece a crença de que os conflitos entre diferentes segmentos da sociedade possam ser resolvidos por meio da gestão do diálogo entre os atores, com a finalidade de alcançar um consenso. A “natureza” considerada como realidade externa à sociedade e às relações sociais, foi convertida em uma simpleas variável a ser manejada, administrada e gerida, de modo a não impedir o desenvolvimento.

3A autora utiliza os trabalhos de Wilson Trajano (2004) em “O campo da Antropologia no Brasil”, para tentar explicar as pincipais diferenças entre a antropologia brasileira e europeia-americana. Defendendo que aparentemente no Brasil dá-se muito mais importância a temas nacionais ( etnologia indígena e antropologia da sociedade nacional), além de um auto-reconhecimento dos que se identificam como antropologos sem necessariamente terem formação na área, mas desenvolvendo trabalhos na mesmo.



REFERÊNCIAS
APPADURAI, A, Disjuncture and Diference in the global culture economy. In: INDIA, J.X Rosaldo,R. The antropology of globalization: a reader. Oxford, UK: Blackwell Publishing, 2002, p. 46-64.
BAINES, S.G. Antropologia do Desenvolvimento e os povos indígenas. Paper – Série Antropologia, Brasília UNB, n 361,p.1-10,2004.
BECKER,Berta K.; Amazônia: mudanças estruturais e tendências na passagem do milênio.In:Armando D. Mendes. (org.) Amazônia. Terra e Civilização: uma trajetória de 60 anos.2º ed., v.1, Belém: Banco da Amazônia, 2004.p.115-140
BRASIL, Marília C; SANTOS, Carlos Augusto; TEIXEIRA,Pery; A população Amazônida. In:Armando D. Mendes. (org.) Amazônia. Terra e Civilização: uma trajetória de 60 anos.2º ed., v.1, Belém: Banco da Amazônia, 2004, p. 79-113
BUCLET, B. ONGS[sic] na Amazônia Oriental: responsabilidades e poder de implementação do modelo socioambiental. XXVI ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS. GT11: O desenvolvimento sustentável em questão na Amazônia Brasileira. Caxambu, 2002.
CARDOSO, D.M. Políticas Públicas e Desenvolvimento Local. In: Processo decisório de políticas Publicas para o Desenvolvimento local: rio Arraiolos – Almerim – Pa. Belém: Universidade Federal do Pará, 2006, p. 22-67. ( tese de doutorado em Desenvolvimento sustentável do Trópico Umido)
CARDOSO, M. L. A ideologia é um forma de conhecer. A ideologia é uma forma de dominação. Ideologia do Desenvolvimento/Introdução. In: Ideologia do Desenvolvimento: Brasil JK-JQ. São Paulo: Paz e Terra, 1977. p. 73-76
CASTRO, Edna. Transformações Ambientais na Amazônia: problemas locais e desafios internacionais. In:Armando D. Mendes. (org.) Amazônia. Terra e Civilização: uma trajetória de 60 anos.2º ed., v.1, Belém: Banco da Amazônia, 2004,p.45-78.
COMAROFF,J.L.;COMAROFF, J. Fashioning the colonial subject: the empire's old clothes. In: Of revelation and revolution: the dialects of modernity on a south african frotier. Chicago: Chicago univesity press, 1997, p.218-273.
LIRA, Sergio R. Bacury; Morte e Ressurreição da Sudam: uma análise da decadência e extinção do padrão de planejamento regional na Amazônia. Belém: NAEA, 2007
LÉNA,Philippe; As políticas de Desenvolvimento Sustentável para Amazônia – Problemas e contradições. In:Rede Amazônia: Diversidade Sociocultural e políticas Ambientais, Ano1, nº1 Rio de Janeiro :[s.n],2002. p. 9-21
OSTROM, Elinor; Reformulando los bienes comunes. In: Smith, R.C.; Pinedo, D. El cuidado de losbienes comunes: gobierno y manejo de los lagos y bosques en la Amazonia. Lima: IEP;Instituto del Bien Común, 2002, p.49-77. (Estudios de la Sociedad Rural, 21).
SCHRÖDER, P. Antropologia do Desenvolvimento: é possível falar de uma subdisciplina? Revista de Antropologia, São Paulo, USP, V. 40, n.2 , p.83-100, 1997.
SCOTTO, Gabriela; CARVALHO, Isabel C.de Moura; GUIMARÃES, Leandro B.; Desenvolvimento Sustentável. 3 ed.Petropolis. RJ: Vozes, 2008
SIMONIAN,L.T.L. Tendências recentes quanto a sustentabiliade no uso dos recusos naturais pela populações tradicionais amazônidas. In: ARAGON- VACA, L.E (Org.) Populações e meio ambiente na Pan-Amazônia. Belém. NAEA/UNESCO, 2007.
WENTZEL, S. Complementando perspectivas de fora e de dentro: observações antropológicas sobre projetos voltados para os povos indigenas do programa piloto PPG7. Revistas Antropológicas, Recife, UFPE, v.15, n2, p.47-84.
ZHOURI, A. et al. Desenvolvimento, sustentabilidade e conflitos socioambientais. In: ZHOURI, A. et al. (Org.) A insustentável leveza da política ambiental. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p.11-24.

Comentários

Postagens mais visitadas